O início do fim do dinheiro físico
Há que pensar se um mundo sem dinheiro físico será um mundo melhor ou pior.
Lembro-me perfeitamente quando era criança e ajudava a minha Avó (mãe do meu padrasto) no Mercado 31 de Janeiro a levar a venda no carrinho aos clientes. Após esse trabalho eu recebia a minha gorjeta em Escudos.
Chegou o ano 2000 e com ele veio também o Euro. Aí passei a receber as minhas gorjetas em Escudos e também em Euros, até que acabou o Escudo e ficou só o Euro.
Nesta altura dinheiro para mim, era apenas notas e moedas...
Dinheiro ou cartão?
Hoje em dia utilizo mais o cartão em detrimento do dinheiro físico. De uma forma geral, creio que para efeitos de uma gestão financeira mais eficiente, pagar por multibanco é mais apropriado.
Mas por outro lado, não abdico da experiência de pagar em dinheiro físico, é mais real e dá-se lugar a uma transacção genuína que ocorre naquele preciso momento.
Escusado será mencionar os mais idosos e a sua preferência pelo dinheiro físico, seja por terem passado uma vida inteira a utilizar este dinheiro, seja pela sua justa resistência em aderir às transacções electrónicas, uma vez que estes não foram nem estão a ser respeitados nesta transição.
Lojas que já não aceitam numerário
Alguns estabelecimentos como A Padaria Gleba ou o Vitaminas já não aceitam dinheiro físico como meio de pagamento. Quem ainda não foi atendido nestas lojas após estas novas regras ilegais, sabe-o pelo tão criticado trabalho de Joana Amaral Dias.
De acordo com a lei, os comerciantes têm que aceitar notas e moedas. Mas a própria lei não prevê nenhuma punição para quem não cumpra esta mesma lei, o que deixa que saiam impunes desta injustiça.
Durante as restrições impostas devido ao COVID-19, havia justificação para não se aceitar transacções em dinheiro físico. Por outro lado, durante o recente apagão, seria a única forma de realizar compras de emergência em qualquer loja que se mantivesse aberta durante o dia.
São óbvias as vantagens do pagamento por multibanco, mas não se pode negar a fundamental importância do dinheiro físico, seja como item de sobrevivência, seja como privacidade, liberdade e independência financeira.
E se o apagão durasse mais tempo?
Todos se lembram do recente apagão no dia 28 de Abril, bem como os constrangimentos que causou, isto para não falar do pânico.
Se o apagão durasse mais tempo, a economia teria que se pautar pelo dinheiro físico. Aí sentiríamos na pele a necessidade de ter dinheiro físico disponível, pois as caixas multibanco não nos iriam ajudar, os dígitos que vemos na conta, naquele momento deixariam de existir por tempo indeterminado.
Lembro-me que nesse dia apenas tinha umas poucas moedas comigo. Se o apagão durasse mais tempo, certamente que não iria comprar grande coisa assim que fosse necessário. Portanto é uma lição para mim também.
O Euro digital e o fim do dinheiro físico
Não é um segredo, mas a cobertura não tem sido a suficiente dada a importância do assunto. Portanto existe uma boa probabilidade de o leitor ainda não ter ouvido falar sobre CBDCs ou Euro digital.
Não será mais uma criptomoeda, mas na minha opinião a ideia da criação do Euro digital tem tudo a ver com as criptomoedas. Sendo estas uma ameaça aos bancos centrais, pois as criptomoedas oferecem a liberdade e o valor que nenhuma moeda tradicional oferece.
Recentemente saiu uma notícia em que o Euro digital irá reduzir para metade as notas e as moedas em circulação. Isto é sem dúvida um passo gigante para o fim do dinheiro físico.
Tudo tem os seus prós bem como os seus contras, incluindo as CBDCs. Podemos consultar os prós na própria página do BCE. Quanto aos contras, recomendo fortemente a visualização do seguinte vídeo:
Muito se critica o que Joana Amaral Dias faz nos seus vídeos em que tenta utilizar dinheiro físico numa destas lojas em que ele não é aceite. Dizem que é para obter views, que é para a campanha, que está a brincar com o trabalho dos funcionários, etc.
Não percebem que ela está a dar o mote para que mais pessoas reivindiquem o seu direito de usar dinheiro físico, pois deixar de lá ir não resolve o problema.
Isto é Portugal, onde parece que a única revolução legítima é a de Abril, e a qual hoje percebemos que tem donos.
Mandamos abaixo quem tem uma causa justa. Alguém que vê a encruzilhada da qual nos aproximamos sem sabermos para onde a mesma nos vai levar, e em vez de abrirmos os nossos olhos, preferimos tê-los fechados enquanto apreciamos as nossas anestesias.
Há que pensar nisto. Se um mundo sem dinheiro físico será um mundo melhor ou pior. Como em tudo, existem os prós e os contras.
Este tipo de mudança, a ser inevitável, tem no mínimo de ser lenta, gradual e principalmente transparente, para que os nossos direitos e garantias sejam assegurados.